sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Traição

A exemplo de minha mãe, sempre fui uma pessoa de coração aberto.
Até demais, confesso. Procuro confiar e acreditar em pessoas e até em animais.
Não creio que apegar-me a coisas e bens seja de alguma valia. Elas fazem parte, mas em absoluto devem ser postos em primeiro plano. Talvez por isso tenha sido descuidada. Tenha fornecido a ocasião para o ladrão.
Fui traída. Para mim, tão triste dor que mal posso encarar. Quem confiava levou minhas memórias. Uma pequena parte da história de minha vida.
Bens materiais, decerto, mas no meio deles havia um, absolutamente sem preço. Um pequeno aro de ouro, riscado e amassado pela ação do tempo e do trabalho árduo que ele desempenhou nessa vida. Um símbolo de uma união de 25 anos.
Hoje meu sorriso está guardado no lugar daquilo que levaram. Não pelos bens, mas pelo que eles representavam. Pequenas recordações daqueles que se foram.
Que sentimento triste.
Faz-se Boletim de Ocorrência, lembra-se, descontrola-se e chora-se muito. Pela humilhação, pelo medo e desconforto sem antecedentes a que somos submetidos, mas sobretudo pela traição.
O investigador me oferece um copo d´água. Um gesto incrivelmente humano ao verificar meu estado.
De tudo o que me levaram, pedi aos Deuses que me ajudassem a resgatar apenas aquele anel.
Aquele surrado, batido e riscado. Aquele que carrega o nome de minha avó. A aliança de meu avô.
E assim vão minando meu melhor. Ofuscando o brilho de minha pedra. Fechando aos poucos meu coração aberto. O medo se instala.
Abro um arquivo, escrevo um pouco. Desabafo com o papel.
Então as memórias voltam e constatar tamanha ingratidão corta fundo a carne já frágil pelas pancadas da vida.
É Claudia, lá se vai mais um golpe enquanto, cambaleante, tenta permanecer de pé para manter as aparências, por causa das crianças ou por você mesma. Para fingir lá no fundo que nada disso está acontecendo. Típico.
Hoje não conto alegrias ou peripécias das crianças.
Hoje sinto a traição.
Aos poucos, bem devagar, essa tristeza vai embora, ou não...