segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O garoto



Ninguém jamais vai entender isso, mas William pediu para voltar.
Foi alto, claro e em bom som.
Estava sentada no chão em um dos quartos da casa onde morava. Era meio da tarde e o sol refletia nos armários deste quarto que não usávamos para quase nada.
Era como uma sala de bagunça. Eu estava ouvindo musica, essa musica do Marcus e de repente, ouvi sua voz.
Na mensagem, ele me pedia que permitisse sua volta. Que lhe desse nova chance para um recomeço ao nosso lado.
Eu, surpresa, prometi que lhe daria quando houvesse oportunidade. Para nós, naquele momento era quase impossível.
Passei a sonhar com ele e a achar que se tratava de Angus, presente em minhas memórias em uma outra história que depois eu conto.
Os anos se passaram e, quando visitei este apartamento pela primeira vez, do qual hoje sou feliz proprietária, olhei cada quarto em um total de quatro e imaginei aquele garoto brincando em um deles. Lembrei do pedido e da promessa. Da emoção em conflito com a razão em minha vida.
Olhei cada janela e o parquinho onde ele poderia brincar ao meu lado.
Senti desesperada suas mãozinhas e comecei a chorar. Ele nada mais me pediu, exceto naquele dia, naquela hora e naquele momento, há anos atrás.
Quando decidimos comprar o apartamento que ganhamos do papai, o processo de compra demorava demais. Estávamos achando que perderíamos o imóvel porque o corretor não se mexia.
Ingressei no apartamento para mais uma visita e no banheiro da suíte, admirando suas belas torneiras eu pedi a ele que me ajudasse a conseguir o imóvel. Ele disse que se um dos quartos fosse dele, que daria tudo certo.
E assim deu. O ano era 2003 e em março de 2004 trouxe ao mundo meu filho que dia 1 de dezembro completará seis anos.
Ali está seu quarto, seus brinquedos, como eu havia visto. Ele está brincando lá fora como eu previ, no parquinho.
O que jamais poderia prever era receber tanto amor.
William é o grande desfecho de uma ópera. O momento máximo de uma existência. O equilíbrio de uma vida.
Seu amor fácil, sua gentileza, sua doçura, inteligência. Ele é único e ele me escolheu. Entre tantas pessoas melhores, ele me escolheu. Não importando pelo que fosse passar, sofrer ou viver, ele me escolheu.
Entre tantas mulheres maravilhosas e doces do mundo, ele me escolheu.
Olhar meu filho a se desenvolver hoje é umas das coisas mais lindas que posso presenciar.
A honra de ter sido por ele escolhida, jamais poderei explicar.
Preciso dele como do ar e hoje não consigo compreender como pude esperar tanto.
Querido,
Espero fazer juz a todo esse amor e confiança. Espero ser digna de suas escolhas. Quero dizer, meu filho, que você também foi o grande bater de asas de minha vida.
Que meu amor por você é para muitas vidas e que sempre ouvirei você.
Não importa onde eu estiver eu sempre ouvirei e estarei com você.
Não haverá distâncias, medos, nada que nos separe por toda eternidade. E quando eu estiver velhinha, não precisa cuidar de mim como prometeu. Pode ficar com os seus. Eu entenderei, mesmo porque eu viverei e vivi minha vida toda para trazê-lo e receber de ti todos os abraços do mundo a cada manhã. São momentos mágicos que nunca, jamais poderiam ser comparados ou substituídos.
Te amo, meu querido. Para sempre. E sempre, é um tempo muito grande para você hoje compreender, somente quando estivermos em outro plano, juntos de novo, poderá entender que ‘para sempre’ é tempo demais para muitos, mas segundos para o tamanho do amor que sinto.
Te amo. Mais do que posso.
Sua mãe.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

É fim de tarde



Lá se vai mais um dia. O sol deu lugar a uma nuvem negra da tempestade que se aproxima.
O vento derruba dois vasos na varanda. O lírio e a chicória da horta do William que está em um recipiente separado porque cresceu demais. Talvez ela saiba que por ele, jamais será comida.
Insisto em escrever, apesar dos vasos.
Olho pela janela e vejo o céu em um fim de tarde que muitos achariam insano gostar, mas gosto.
Quando a tempestade se aproxima, parece que olhamos para dentro e nossos pensamentos dirigem-se à concentração absoluta do silêncio deles.
As lágrimas vêm como se fossem convidadas a presenciar esse momento.
A música toca no fone de ouvidos, mesmo porque exigiria uma concentração absurda por causa do volume da televisão da sala de tv.
Introspecção. Assim fico quando vem a chuva. Em um momento de pura introspecção e reflexão.
Imagens, ideias, vontades, ilusões...tudo vem ao meu encontro nessa hora.
Meus dedos correm pelo teclado a uma velocidade de sentimentos e não de raciocínio.
Sinto paz.
Então a chuva chega e seu som pela vidraça é mágico.
Parece que sinto o pisar na relva molhada e sinto a chuva no rosto dos meus tempos de criança. As poças d água, os barquinhos na enxurrada, o permanecer sob a calha como se fosse uma cascata. Os pés no chão e a alma limpa.
Assim fico quando vem a tempestade. Com uma nostalgia e doces lembranças de um passado que não volta mais. Esse seria um dos momentos que reviveria se pudesse.
Chegar na Dada e levar aquela bronca da minha avó e depois tomar um café com Arak para não pegar um resfriado.
Para quem não sabe, o Arak é uma bebida árabe. Uma espécie de pinga/cachaça feita com anis, ou melhor: destilada da tâmara ou uva, aromatizada com anis dentre outras especiarias (Wikipedia).
Lembro as roupas molhadas no banheiro, esperando que alguem as recolhesse tamanha sujeira de barro e terra de nossas brincadeiras e tardes na rua e na chuva.
A vontade que dá é de sair correndo ao encontro da tempestade e lavar tudo o que me angustia. Liberar no meio da rua meus medos, ansiedade, insegurança e ao fazer isso, soltar o grito da abolição dos grilhões desta energia ruim que fica sempre ao redor.
Já que não posso viver isso, eu imagino que vivo. É claro que não é a mesma coisa, mas vale.
Pegar um filho em cada mão e sair correndo, gritando e rindo e nesse momento reviver toda a magia de anos atrás.
Mas, meus filhos nunca tomaram chuva, nunca subiram em árvore, nunca puseram um barquinho na enxurrada...
Ainda dá tempo de reverter isso e assim, quando eles forem adultos, poderão aliviar suas angustias imaginando em um dia como esse, fazer a mesma coisa que eu fazia quando criança, depois com eles e eles com os filhos deles em um ciclo eterno.
Bem vinda mãe chuva!
Que apesar do teto e da vidraça que me prendem aqui, meu espírito possa para sempre voar livre com você. Que sempre ao te receber eu possa ouvir minha avó, meu riso e a água que corre.