quinta-feira, 25 de novembro de 2010

É fim de tarde



Lá se vai mais um dia. O sol deu lugar a uma nuvem negra da tempestade que se aproxima.
O vento derruba dois vasos na varanda. O lírio e a chicória da horta do William que está em um recipiente separado porque cresceu demais. Talvez ela saiba que por ele, jamais será comida.
Insisto em escrever, apesar dos vasos.
Olho pela janela e vejo o céu em um fim de tarde que muitos achariam insano gostar, mas gosto.
Quando a tempestade se aproxima, parece que olhamos para dentro e nossos pensamentos dirigem-se à concentração absoluta do silêncio deles.
As lágrimas vêm como se fossem convidadas a presenciar esse momento.
A música toca no fone de ouvidos, mesmo porque exigiria uma concentração absurda por causa do volume da televisão da sala de tv.
Introspecção. Assim fico quando vem a chuva. Em um momento de pura introspecção e reflexão.
Imagens, ideias, vontades, ilusões...tudo vem ao meu encontro nessa hora.
Meus dedos correm pelo teclado a uma velocidade de sentimentos e não de raciocínio.
Sinto paz.
Então a chuva chega e seu som pela vidraça é mágico.
Parece que sinto o pisar na relva molhada e sinto a chuva no rosto dos meus tempos de criança. As poças d água, os barquinhos na enxurrada, o permanecer sob a calha como se fosse uma cascata. Os pés no chão e a alma limpa.
Assim fico quando vem a tempestade. Com uma nostalgia e doces lembranças de um passado que não volta mais. Esse seria um dos momentos que reviveria se pudesse.
Chegar na Dada e levar aquela bronca da minha avó e depois tomar um café com Arak para não pegar um resfriado.
Para quem não sabe, o Arak é uma bebida árabe. Uma espécie de pinga/cachaça feita com anis, ou melhor: destilada da tâmara ou uva, aromatizada com anis dentre outras especiarias (Wikipedia).
Lembro as roupas molhadas no banheiro, esperando que alguem as recolhesse tamanha sujeira de barro e terra de nossas brincadeiras e tardes na rua e na chuva.
A vontade que dá é de sair correndo ao encontro da tempestade e lavar tudo o que me angustia. Liberar no meio da rua meus medos, ansiedade, insegurança e ao fazer isso, soltar o grito da abolição dos grilhões desta energia ruim que fica sempre ao redor.
Já que não posso viver isso, eu imagino que vivo. É claro que não é a mesma coisa, mas vale.
Pegar um filho em cada mão e sair correndo, gritando e rindo e nesse momento reviver toda a magia de anos atrás.
Mas, meus filhos nunca tomaram chuva, nunca subiram em árvore, nunca puseram um barquinho na enxurrada...
Ainda dá tempo de reverter isso e assim, quando eles forem adultos, poderão aliviar suas angustias imaginando em um dia como esse, fazer a mesma coisa que eu fazia quando criança, depois com eles e eles com os filhos deles em um ciclo eterno.
Bem vinda mãe chuva!
Que apesar do teto e da vidraça que me prendem aqui, meu espírito possa para sempre voar livre com você. Que sempre ao te receber eu possa ouvir minha avó, meu riso e a água que corre.

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