sexta-feira, 5 de março de 2010

O Cardiologista

Há cerca de 30 dias, em consulta de rotina na pediatra, a Dra Mara sugeriu que eu visitasse novamente um cardiologista.
Meus olhos esbugalhados tentavam acompanhar seus rápidos rabiscos na receita com a indicação dela ao médico de minha escolha.
“Estou ouvindo um ‘clique’ e não faz menção ao sopro. É outra coisa”
Quando nasceu, Victoria sofria de CIV – Comunicação Interventricular. Segundo o cardiologista que a atendeu na época (com apenas 7 dias), ela deveria operar em três meses, caso não fechasse espontaneamente.
Nem pergunte quantas promessas, novenas e centros espíritas levei a menina. São muitos e, em meu desespero, não sei dizer o que deste bolo todo, funcionou.
O fato é que funcionou e quando ela completou 3 meses, o cardiologista em São Paulo disse que o problema havia sido solucionado.
Fim de história.
Mudamos-nos para Itatiba, depois para Jundiaí. Em uma consulta de rotina em 2003, o som de seu CIV foi novamente detectado pelo pediatra. Entrei em pânico.
Lá fomos nós para a consulta ao cardiologista novamente. Ela estava com 4 anos.
Examina daqui e dali, foi constatado via eco cardiograma que nada havia para se preocupar.
Oba!
Mais promessas para pagar.
Todo esse rosário eu vi renascer naquela nova indicação. Naquele novo som que ela estava ouvindo.
Enquanto ela prescrevia, eu ensandecia.
Na manhã seguinte acesso a relação de médicos do convênio à procura de um nome: Wagner Ligabó.
O cardiologista que salvou o então Editor Chefe do Jornal Bom Dia de um ataque cardíaco. O cara devia ser muuuuito bom.
Lá estava ele, o último da lista pela ordem alfabética que as mesmas apresentam.
Ligo, ocupado. Ligo, ocupado. Ligo, ocupado e assim foi toda a manhã e início da tarde. Nada.
No dia seguinte entro em contato e, ao primeiro toque, uma secretária não muito ortodoxa atende informando que consultas com o dr Ligabó somente daqui há 40 dias.
4 0 d i a s !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Agendo e espero.
Enquanto isso acontece, rezo e faço as novenas e promessas de praxe. Encomendo a alma, vendo um rim, e espero.
Hoje pela manhã chega o grande dia.
Às 10h40 foi marcada a consulta, mas minha ansiedade me faz deixar Victoria pronta às 9h e acelerá-la às 10h.
Chegamos ao consultório às 10h15. Vinte e cinco minutos para eu ler Caras, Vogue e algumas Vejas que me escaparam.
“o Dr Ligabó está uma hora atraso nas suas consultas. Creio que lá pelas 11h30 você conseguirá ser atendida.” Me diz a insana secretária com um ar blasé.
Que pena que não costumo roer as unhas. Elas estão em um comprimento adequado para o ato.
Saio do consultório e vou fumar na calçada pensando na ironia do meu ato. Fumando na porta do Cardiologista. Hilário.
Um senhor, já cansado de esperar também, levanta um pouco, estica as pernas e surge ao meu lado para tomar sol.
Imaginei que ia ouvir um sermão quando o danado saca um maço de cigarros do bolso e me acompanha.
Apago o cigarro pela metade e entro.
Fica quase insuportável me manter tranqüila para que a pequena não sinta minha angústia.
10h30, 10h40, 11h, 11h15, 11h30 (lá se vai uma hora de espera) 11h45, 11h50, 12h! Victoria é chamada.
Minhas mãos se contorcem dentro da bolsa enquanto os exames e todo o dossiê dela aguardam avaliação do médico calmamente em meu colo.
Amenidades, papinho informal e então ele entra no assunto.
Explico tudo desde seu nascimento. Mostro os exames e laudos desde 1998.
Respiro.
Repreendo as lágrimas que morrem sufocadas no meio da garganta. Sei que é egoísmo pedir a perfeição, mas prefiro um câncer no meu cérebro a ver um filho meu doente ou correndo riscos de vida ou coisa parecida.
Dr Ligabó é um showman. Avalia tudo em silêncio. Observa, compara e então fala: “não se preocupe, ela não tem nada. O clique que a pediatra ouviu é normal para um cardiopata e suas arritmias são comuns na idade. Quando os hormônios começarem a funcionar, eles equilibram isso”.
Quis beijá-lo. Ou talvez, deitar sobre seus pés e servir de banquinho por algumas horas.
Mesmo que eu o tivesse pago para dizer aquelas palavras, não teria sido com tanta alegria quanto a verdade de seu diagnóstico.
Solicitou um eco cardiograma e disse para acompanhar a cada dois anos, mas que estava tudo perfeito com ela.
Só quem passa ou passou por isso na vida saberá entender meu alívio.
Despedi-me, entrei no carro e comecei a chorar. Chorar de alívio pela tensão enfim quebrada com as palavras tranqüilizadoras dele. Chorei por ela, por mim e pelo medo que sem que eu quisesse ainda estava me chacoalhando as pernas.
Minha fada não tem nada. Minha fada é perfeita e não existe risco algum para ela.
Agendo o exame para a semana que vem e retorno no cardiologista assim que possível.
Dessa vez, espero até 3h que ele me atenda só para ouvir, mais uma vez, que Vivi é perfeita.

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